Foi assim que iniciei o exercício de me “fazer
a mim próprio”.
Comecei por comprar um espelho, uma ampulheta,
um modelo de crânio humano em plástico, uma vela e três recipientes de produtos
básicos. Observei, observei, mas a inspiração tardou. O copo de água e o pedaço de pão permaneceram
intocados. Foi um enorme cocorico de galináceo
quem finalmente findou a angustiante letargia.
De principio tive de decidir o que iria
fazer de mim.
Fui-me fazendo.... como podia...e não despontava
nada de jeito!
Num azedo de vitriólico, o
espelho insultava o bom gosto.
- Bem feito! Respondia...
Trabalhar sem projeto, nem preconceito dá
sempre merda, é sabído.
A ambição tem destas coisas: pensei em
fazer de mim uma obra de arte. Porque não a Vénus de Milo, por exemplo? Só não
avancei por causa das amputações necessárias.
Fui buscar e rebuscar todas as obras de
escultura que me lembrei, mas todas elas padeciam de alguma peculiaridade encarcerante.
O David do Miguel Ângelo, ficou fora de questão por “insuficiências intimas”,
eliminei o beijo de Rodin na falta de parceria, a Vitória de Samotrácia dava-me asas, mas deixava-me sem mãos...enfim o desespero!
Felizmente a pintura podia abrir-me novos
horizontes: não fora aquele ar andrógeno da Joconda, ponderaria a tentativa. Em
verdade a minha altura renascentista foi breve, sofrendo um duro golpe quando
me apercebi que em maioria eram retratos de nobres e príncipes. Ora eu, plebeu
e republicano... Fiz-me á estrada do tempo, percorri a pintura procurando-me nela e assim iniciar a minha composição. Talvez no estilo Barroco...
Porém, a doçura das linhas barrocas combinadas com
a ostentação pouco me inspirou. Tenho pena de mim, mas assim é! Considerei ainda o classicismo, contudo aqueles
personagens inspirados na mitologia grego-latina, do Poussin, Lebrun, ou
Champaigne nada teriam a ver comigo.
Já sei como andam a pensar: “tão pouco se
deteve no rococó, ou no neoclassicismo, e foi parar aos românticos”. Engano vosso! Aquela atmosfera propicia ao
sonho, da expressão pela sugestão não; não me ficariam bem. Apesar do Moreau e do Klimt, nem o simbolismo
me deteve e quando cheguei aos
impressionistas já andava cansado de tanto caminho percorrido.
Agora já em pleno século vinte,
impressionismo, naturalismo, cubismo, expressionismo, surrealismo, enfim devido
á quantidade de “ismos”, desisto . Em verdade, de tanta escolha só me restam
duas opções: aceito de me tornar um
personagem desfocado, ou viro Picasseado com uma bela assinatura e um longo
discurso. Opto por uma terceira via...
Finalmente sei o que vou fazer comigo. Vou esculpir-me,
burilando o melhor que posso, artístico ou nem tanto, criativo ou repetitivo,
feio ou bonito, pouco importa, vou persistir em me fazer eu. E se porventura
houver muito, demasiado por corrigir, poderei parar. E então ficarei assim,
como me vêm, inacabado, como uma sinfonia...
E se alguém, alguma vez, me chamar de “sinfonia”...
respondo em Fá menor!
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