A sopa de letras faz parte da ementa de alguns desprevenidos,
quiçá inveterados, frequentadores deste Blog. Ora a culinária das letras decorre tanto da essência dos seus componentes como do espírito do alquimista, pelo que por avanço
perdoem a minha incapacidade em deixar aqui qualquer receita; também eu corro
atrás dela. No entanto pretendo alertar para alguns embustes encontrados quando
cozinho, burilo, esculpo com cisel neurónico este mesmo texto.
Outro cuidado: uma vez elaborada “a sopa”, o alquimista
deverá ser particularmente prudente na sua ingestão, não esquecendo que este
prato procede da menor partícula, do próprio átomo da palavra; a letra.
Vejam aqui alguns dos riscos que incorrem: é que as letras
são perigosas, nem sempre são aquilo que parecem.
Há letras batoteiras, há as tímidas, há letras confusas, as
disfarçadas, preguiçosas, e até letras travesti. Vamos a alguns exemplos
O “H” que se pronuncia “aga” é tão tímido que se esconde
atrás de outras letras para não ser pronunciado.
O “O” todo masculino, por oposição á feminidade do “a”.
Costuma mudar de nome bastas vezes pretendendo ser pronunciado “U”
E as letras batoteiras como o “X” que se pretende “Z” na palavra
“exemplo”
O “Z” que se diz “X” em “dez” ou em “fiz”
Os “N” e os “M” perigosos; esses transportam o vírus da gripe
ás outras letras Vejam só:
E+m = em
a+n = an
i+m ou n = Im
Já falámos do “S”?
Este é “travesti:” como na palavra “presente”, faz-se passar
por “Z”.
Ou por “X” em todos os plurais.
E preguiçoso: Por vezes temos de duplicá-lo para obter o som “s”, e quando mesmo isso não basta, então substituímos por um c, e como medida
extrema até acrescentamos uma cedilha a esse “c”. Que trabalheira, por um
simples “s”.
Em suma, as letras, é tudo uma confusão!
Porém, a verdade é que logo que formam palavras, as letras
levam uma vida terrível. È que as palavras vivem na boca das pessoas. Já
imaginaram o que é viver dentro de uma boca? Num ambiente ácido, fétido, aos
trambolhões com pedacinhos de guisado da refeição anterior?
BEEEERRRK!
Notem que eu apenas digo isto para alimentar a conversa; e
enquanto eu falo, a audiência engole as minhas palavras.
Só vos peço a delicadeza de ficar em silencio por receio que
as palavras saídas das vossas bocas colidam com as letras que vão entrando, e
logo os desprevenidos começam a engolir palavras e a articular letras. Em suma, ninguém se entenderia!
O Senhor, sim o Senhor! Fique sabendo que não se escreve de
boca cheia!
Para todos,
Boa digestão!
Um texto absolutamente fantástico. Caro Sofista tens um sentido de humor extremamente sofisticado. um Abraço compagnon de Route.
ResponderEliminarObrigado pela indulgencia! Cabe-me, porém informar que recentes investigações sobre a natureza dos empreendimentos de índole gastro-culturais, efetuados por jovens indiscretos, demonstraram as causas determinantes que afetam os efeitos probabilísticos, para além de vários pormenores de pendor processual relativamente á interpretação da adequação deste jantar. Acrescenta-se a extensa envolvência dos meios artísticos locais na referida adequação, o que parece indicar a probabilidade de que talvez se possam provar sopas de letras, ....e gostar! Blá, blá, blá...
ResponderEliminarQue delícia de blá, blá, blá,... é uma alquimia poética!
ResponderEliminarFica facin, facin de ingerir, degerir!
É assim meu caro Poeta,...eu aqui concentrada nesse belo texto, que de repente, você entra nele, e ou, ele em você! E bem em baixo da janela do meu quarto, na pizzaria, ápostos os boêmios da sexta-feira, tentando cantarolar...sei lá o que? Esse contexto sim, é uma confusão, rs.
Voltando ao "Letras à Solta", texto fantástico, discurso articulado, um léxico rico, ideias que refletem o título.
Amo poesia, a beleza, a arte de criar, e isso é refletido nesse conjunto de letrinhas desenhadas por você, Sofista!
"Diz-me o que lês, dir-te-ei quem és." (?)
Responder-te torna-se difícil pois as letras fugidias não sabem converter-se em palavras. Também eu, como os teus vizinhos, comecei a cantarolar quando li esses desbragados e imerecidos elogios. Obrigado! "...ser poeta não é a minha ambição..."
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