(Recordando Julio Cortázar)
Meia
dúzia de mesas, todas ocupadas com clientes, a mulher do Janecas correndo d’um
lado para o outro, ocupadíssima em servir a clientela; fotografias, pequenos
quadros, e uma miscelânea de artigos de todo o gênero evocativos d‘outras
épocas povoam os muros do pequeno restaurante.
Como entro, o Janecas sentado na mesa do fundo, acompanhado pelo Quinito, cronópio conhecido de longa data, convida-me a partilhar a mesa deles.
-
Senta aqui conosco, não te importas, hein Quinito? Lança ele, esfregando o
bigode com um guardanapo que já se vira mais limpo.
-
De maneira nenhuma, replica o outro com evidente pouco entusiasmo.
É
de noticias minhas que o Janecas quer saber, de como vai a vida, do trabalho, e
das pequenas coisas de pessoas que não convivem há algum tempo. Obviamente
terei interrompido a conversa deles.
-Obrigado,
mas não quero incomodar, objeto, acabando por aceitar face á ausência de
lugares disponíveis.
Já
com o meu prato de favas e o copo de vinho sorvido a pequenos goles, noto como
aos poucos o Quinito, inicialmente pouco volúvel, retoma o tema que debatiam
antes da minha chegada.
-
O meu pior erro, foi deixar a Câmara nas mãos daquele pulha!
O
Quinito fora presidente da Câmara Municipal por dois mandatos e meio,
interrompendo o terceiro quando foi eleito para o parlamento europeu, e deixou
o seu vice presidir a função. Nas eleições autárquicas seguintes esse vice
perdeu para o partido da oposição, o Quinito também perdeu o lugar no
parlamento europeu e deram em cortar casacas uns aos outros com veemência de
envergonhar a mais comadre das comadres. Posteriormente ainda tentou a sua
sorte como candidato á Câmara, sofrendo uma humilhante derrota que o colocou
zangado com praticamente meio mundo. Em suma, um politico profissional com os
seus altos e baixos, que quando perde uma eleição é porque o partido o traiu, e
quando ganha é porque os eleitores o elegeram a ele, e não ao partido que o
candidatou.
-
Agora é o que se vê, lamenta-se, ao levantar o garfo e deixando cair uma das
favas no prato.
-
Que fazes tu agora, interrogo, para amenizar um pouco do veneno que ele
distila, supondo que esse não ajudaria á minha digestão.
-
Estou tentando vender uma vivenda, e depois vou viver para o Brasil. Tenho de
retomar o curso da minha vida; é que eu tinha uma vida antes da politica,
sabes. Eu era professor!, rebate defendendo-se de alguma acusação ainda por
formular. Engoli a minha garfada e mastiguei aquela afirmação sem responder,
como esquecendo que nos últimos vinte anos ele não teve outra atividade que a
politica. Sempre adorei o espirito de sacrifício dos tubarões.
-
Também eu tinha, abona o outro em socorro do Quinito. (O Janecas ex-sindicalista
profissional, vai agora pelo quarto mandato consecutivo como presidente de
junta). Os próprios, involuntariamente, denunciam os vícios do sistema na prorrogação
dos lugares que ocupam ou ocuparam, e a falta de rotação nos cargos.
-
E projetos de futuro?, aventuro ainda.
-
Não, não quero mais vinho, contesta quando esboço o gesto de lhe verter mais
uma pinga no copo. Só não abalei ainda por causa do Janecas. A amizade dele
prende-me aqui, afirma o Quinito com toda a convicção. Eu que cheguei a pensar
que esperava vender a vivenda para partir... enfim, as minhas limitações de
processamento!
Com
as favas acabou o vinho, e a conversa poderia continuar não fora eu considerar
que já tinha presenciado mais do que podia absorver como dose de cinismo de uma
só vez. Por isso o café se tomou morno na despedida em que cada um achou que nos
deveríamos voltar a encontrar mais vezes.
Apesar
de tudo, as favas eram ótimas.
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