sábado, 25 de fevereiro de 2012

LETRAS à SOLTA


                                                            


A sopa de letras faz parte da ementa de alguns desprevenidos, quiçá inveterados, frequentadores deste Blog.  Ora a culinária das letras decorre tanto da essência dos seus componentes como do espírito do alquimista, pelo que por avanço perdoem a minha incapacidade em deixar aqui qualquer receita; também eu corro atrás dela. No entanto pretendo alertar para alguns embustes encontrados quando cozinho, burilo, esculpo com cisel neurónico este mesmo texto.
Outro cuidado: uma vez elaborada “a sopa”, o alquimista deverá ser particularmente prudente na sua ingestão, não esquecendo que este prato procede da menor partícula, do próprio átomo da palavra; a letra.

Vejam aqui alguns dos riscos que incorrem: é que as letras são perigosas, nem sempre são aquilo que parecem.

Há letras batoteiras, há as tímidas, há letras confusas, as disfarçadas, preguiçosas, e até letras travesti. Vamos a alguns exemplos

O “H” que se pronuncia “aga” é tão tímido que se esconde atrás de outras letras para não ser pronunciado.

O “O” todo masculino, por oposição á feminidade do “a”. Costuma mudar de nome bastas vezes pretendendo ser pronunciado “U”

E as letras batoteiras como o “X” que se pretende “Z” na palavra “exemplo”

O “Z” que se diz “X” em “dez” ou em “fiz”

Os “N” e os “M” perigosos; esses transportam o vírus da gripe ás outras letras Vejam só:
E+m = em
a+n  = an
i+m ou n = Im

Já falámos do “S”?
Este é “travesti:” como na palavra “presente”, faz-se passar por “Z”.
Ou por “X” em todos os plurais.
E preguiçoso: Por vezes temos de duplicá-lo para obter o som “s”, e quando mesmo isso não basta, então substituímos por um c, e como medida extrema até acrescentamos uma cedilha a esse “c”. Que trabalheira, por um simples “s”.

Em suma, as letras, é tudo uma confusão!

Porém, a verdade é que logo que formam palavras, as letras levam uma vida terrível. È que as palavras vivem na boca das pessoas. Já imaginaram o que é viver dentro de uma boca? Num ambiente ácido, fétido, aos trambolhões com pedacinhos de guisado da refeição anterior?

BEEEERRRK!

Notem que eu apenas digo isto para alimentar a conversa; e enquanto eu falo, a audiência engole as minhas palavras.

Só vos peço a delicadeza de ficar em silencio por receio que as palavras saídas das vossas bocas colidam com as letras que vão entrando, e logo os desprevenidos começam a engolir palavras e a articular letras. Em suma, ninguém se entenderia!

O Senhor, sim o Senhor! Fique sabendo que não se escreve de boca cheia!

Para todos,
Boa digestão!

4 comentários:

  1. Um texto absolutamente fantástico. Caro Sofista tens um sentido de humor extremamente sofisticado. um Abraço compagnon de Route.

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  2. Obrigado pela indulgencia! Cabe-me, porém informar que recentes investigações sobre a natureza dos empreendimentos de índole gastro-culturais, efetuados por jovens indiscretos, demonstraram as causas determinantes que afetam os efeitos probabilísticos, para além de vários pormenores de pendor processual relativamente á interpretação da adequação deste jantar. Acrescenta-se a extensa envolvência dos meios artísticos locais na referida adequação, o que parece indicar a probabilidade de que talvez se possam provar sopas de letras, ....e gostar! Blá, blá, blá...

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  3. Que delícia de blá, blá, blá,... é uma alquimia poética!
    Fica facin, facin de ingerir, degerir!
    É assim meu caro Poeta,...eu aqui concentrada nesse belo texto, que de repente, você entra nele, e ou, ele em você! E bem em baixo da janela do meu quarto, na pizzaria, ápostos os boêmios da sexta-feira, tentando cantarolar...sei lá o que? Esse contexto sim, é uma confusão, rs.
    Voltando ao "Letras à Solta", texto fantástico, discurso articulado, um léxico rico, ideias que refletem o título.
    Amo poesia, a beleza, a arte de criar, e isso é refletido nesse conjunto de letrinhas desenhadas por você, Sofista!
    "Diz-me o que lês, dir-te-ei quem és." (?)

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  4. Responder-te torna-se difícil pois as letras fugidias não sabem converter-se em palavras. Também eu, como os teus vizinhos, comecei a cantarolar quando li esses desbragados e imerecidos elogios. Obrigado! "...ser poeta não é a minha ambição..."

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